Trilho para Santa Joaquina

Mais uma ascensão à montanha. Desta vez, próxima do Pico Papagaio mas com muito menos grau de dificuldade. Como de costume, saí de Santo António pelas 8:30 mas o carro ficou logo ali, no Hospital Velho. O trilho estende-se entre estrada a direito, subidas e descidas. Chego à conclusão que a oferta na ilha não difere muito de uns locais para os outros embora existam sempre surpresas. Escrever e coleccionar as fotografias de cada trilho, permite-me ir relembrando as características de cada passeio. Se não o fizesse, talvez tudo se misturasse na amálgama das memórias. E confundir o que se viveu não é muito diferente de esquecer o que se viveu. Seria como recordar um passado algo difuso ou, se for preciso, é só mais uma desculpa para escrever. Há dias, vi o documentário sobre Stutz no qual ele explicava a teoria da força vital que se desenvolve em três níveis: o primeiro é a relação que se estabelece com o nosso corpo físico, o segundo com as outras pessoas e o terceiro connosco próprios. Nesta etapa, Stutz sugere que usemos um truque mágico: escrever. E explica que quando escrevemos estamos a criar uma relação com o nosso subconsciente. Advoga que escrever é como um espelho e que podemos melhorar a nossa relação connosco através da escrita pois é quando entramos em diálogo connosco próprios. Há alguns anos, trabalhei com uma pessoa que quando precisava de tomar uma decisão importante dizia “I need to have a chat with myself. I shall be back soon.” O que era semelhante, se escrever servir para conversarmos connosco mesmos. Este conceito no topo da pirâmide de Stutz como reforço da energia vital parece-me mais importante do que subir qualquer montanha.

Mas de volta à ilha, poucos metros depois de começarmos a andar, vejo uma árvore caída no caminho que nos obriga a fletir as pernas. Foi a primeira árvore a fazer-me reparar nela, mas neste trilho, há árvores mais interessantes. A certa altura vejo uma que está abraçada a outra. Olho deslumbrada antes de perceber o que está a acontecer. O Balú explica-me que a árvore “abraçada” irá sufocar, portanto, irá apodrecer e cair. Fiquei a pensar que, na natureza, um abraço pode matar. O fenómeno designa-se por parasitismo, no qual se gera uma relação asfixiante, contudo, de progressão lenta. Trata-se de um abraço duplamente fatal. Quando a árvore de dentro apodrecer a de fora também irá morrer. É como um vírus que mata o corpo onde se hospeda. No entanto, a planta que se enrosca no tronco é belíssima, parece uma escultura. Depois, reparei em mais duas. Há-se ser frequente nesta floresta tropical. 

Quando penso nestas árvores em geral, gostava de saber qual de todas é a mais alta do Príncipe. Pois durante o crescimento há um momento em que param de subir. Naturalmente que haverá uma delas com maior vantagem de milímetros ou centímetros sobre as outras, mas a ilusão é de que estão todas à mesma altura. De resto, entre árvores, não há campeonatos. Durante a subida da montanha, vi também uma figueira. Achei interessante e nunca tinha visto. O Balú diz que são figos que só os pássaros comem; não são bons para as pessoas. Vi também as bagas laranja de onde se fabrica o vinho de palma. Algumas caídas no chão. A floresta do Príncipe tem pouca cor. São os tais verdes e castanhos em 99%, por isso, estas pintarolas que se encontram aqui e ali recebem alguma atenção da minha parte. Cheguei ao topo da montanha pelas 10:26. Neste trilho de Santa Joaquina o que é realmente diferente é a paisagem da cidade quando chegamos ao topo da montanha. Há-de ser cerca de metade da altitude do Pico Papagaio. Lá ao longe, Santo António está mais perto do que no topo do Papagaio.

No regresso, sentei-me na escadaria do Hospital Velho, com a écharpe a limpar a pele suada. Tínhamos demorado cerca de uma hora e meia a descer. As calças estão cheias de pegue-pegue e as botas de lama, e a somar: mais uma montanha vencida.

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