Taj Mahal: Hino ao Amor em Agra

Chegamos a Agra no final do dia. Do rooftop do hotel Taj Resorts avista-se o Taj Mahal de contornos tímidos porém inescapáveis não fosse o edifício inconfundível. Estranhamos que não esteja iluminado pois esperávamos encontrá-lo vestido do brilho néon do mundo das luzes mas resume-se a uma miniatura escura que alguém colocou no cenário e agora ali está a confirmar a sua verdade. Amanhã muito cedo iremos visitar este mausoléu que é o notável ex-libris do seu país, património da UNESCO e uma das 7 maravilhas do mundo moderno. Por agora, jantamos ao ar livre no terraço do hotel. As opções são várias e todo o grupo parece contente ao inspeccionar o menu. Para dissipar insectos, diversos paus de incenso estão espetados nas floreiras em volta. Pergunto ao empregado de mesa o que há para fazer em Agra ao que me responde em tom de brincadeira “a visita ao Taj Mahal” como se não fosse esse o nosso destino primordial e óbvio. A verdade é que Agra, antiga capital do império Mongol, hoje resume-se ao sepulcro sumptuoso que é o Taj Mahal. Também ficamos a saber que é por causa de a luz ser geradora de insectos que o monumento nunca foi iluminado, pois os pigmentos na mármore resultantes dos excrementos dos pequenos animais alterariam a beleza do branco puro que constitui o ícone de arquitectura nacional. Depois da sobremesa, o empregado traz uma tacinha de pétalas carmim perfumadas com uma vela no centro e deposita à minha frente. Em Pushkar vendedores já me haviam oferecido flores frescas e, se antes me incomodava o destino das flores desenvasadas, depois aprendi que é preciso cortar uma flor para nascer a seguinte. No final do jantar o empregado de mesa traz uma quantidade maior de pétalas de rosa e escreve a palavra “amor” em cima da toalha. Enquanto desenhava as letras perguntei se era hábito brindar os clientes com aquele gesto e respondeu-me que não, apenas os mais especiais. Depois reapareceu com mais seis pequenas velas acesas a dar vida ao que acabara de escrever. No seu conjunto, foi um momento completamente inesperado e creio que irrepetível. Depois de pagarmos deixou-me um bilhetinho a pedir uma crítica ao restaurante «Please write the feedback. Taj Terrace. Hakin Sinah» que com certeza escreverei.

Na madrugada seguinte, percorremos a pé em não mais de 10 minutos o caminho até à bilheteira. Não se pode levar nada a não ser câmara fotográfica pois não são permitidas mochilas. Chegamos cedo para evitar grandes filas e, claro, para conseguirmos boas fotografias ao raiar da manhã. Encontramos cerca de 30 pessoas à nossa frente e, atrás de nós, a fila vai aumentando rapidamente. Quando entramos o mausoléu ainda dorme. O primeiro impacto é tremendo. Verifico para meu espanto que temos algum espaço junto das floreiras o que permite boas capturas do cenário. Apresso-me a fotografar-nos uns a seguir aos outros para não perdermos o lugar. Melhor, gosto do resultado das fotografias. Talvez por o panorama com o Taj Mahal ser tão perfeito, ficamos felizes como modelos.

À medida que o céu vai acordando o contraste do edifício vai melhorando. Ao avançarmos observo o lago naquele azul que confere reflexos claros na água. As pessoas vão organizando-se em filas para a oportunidade de tirar fotos nos lugares mais conhecidos mas existem outros recantos menos explorados que, apesar de não serem a capa dos postais, também pertencem ao recinto. Embora só sejam reconhecidos instantaneamente por quem já visitou o lugar. Esses pequenos esconderijos não têm ninguém em pose mas têm a mesma energia, e fazem parte da experiência.

Na fila para o interior do mausoléu, cujo circuito é de sentido único, e da esquerda para a saída à direita, é que percebo a real dimensão daquela declaração de vida materializada por um homem a uma mulher. E tudo o que esta homenagem implicou até ser concretizada: tempo de construção, esforço de trabalho, materiais escolhidos. O efeito real abate-se sobre mim nesta passagem, sob um pé direito de vinte e cinco metros de altura, ao reparar ali à frente dos olhos na coerência dos motivos, nas pedras embutidas, como jade, lápis-lazúli, ametistas, ouro, com a noção de que, ao longo de vinte e dois anos, mais de vinte mil homens ali passaram, e incontáveis bois, búfalos, mulas, camelos e elefantes que carregaram os carros com os blocos e as pedras provenientes de pedreiras distantes e, tudo em pleno século XVII com os constrangimentos da época. O islamismo proíbe a representação da figura humana e até este pormenor ali não nos escapa. Os textos árabes do Corão, o brilho das pedras incrustadas e os motivos esculpidos ou pintados no mármore como corações, flores, e outros geométricos numa coerência de cor incomparável, que resulta como a tradução de um leito de paz, calmante e muito belo. O homem que teve a visão da obra, Shah Jahan morreu dezoito após a conclusão da mesma e foi sepultado ao lado da terceira mulher, que se conhece como sendo a inspiração para tudo isto, Arjumand Bano Begum, especificamente nos jardins junto ao rio Yamuna que ela muito apreciava. E agora estes jardins e estas pedras estão ao alcance do mundo inteiro.

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