Não contei as nove horas de comboio que se passaram durante a noite até chegarmos a Ajmer, porque dormi bem durante a viagem. Desta vez, numa das camas de baixo com o saco aos pés. Com esta experiência, posso afirmar que no Rajastão é confortável seguir de terra em terra ao longo dos carris. Embora as condições de higiene das casas-de-banho dos comboios não sejam as melhores estão longe de corresponder às minhas melhores expectativas baseando-me no que ouvi e li sobre os comboios na Índia. Penso que há alguma soberba quando afirmamos que não nos sujeitamos a certas condições com que milhares de pessoas (sem direito de escolha) lidam no seu dia-a-dia. Em vez de desejar fincar bandeiras no topo das montanhas onde poucos chegaram, prefiro sujeitar-me a explorações de pessoa comum, testando-me sem pudor e sem me considerar mais ou menos digna de outros níveis de conforto. Afinal tudo é temporário e o problema da Índia hindu está sobretudo na estratificação social que divide a população em castas. Dentro de um comboio, de repente, todos somos iguais e não há lugar para o arquétipo das princesas.
À chegada a Ajmer, seguimos de carro até à porta do hotel Pushkar Palace. Tomamos um duche, trocamos de roupa e vamos explorar Pushkar a pé.










Ao primeiro encontro o impacto é positivo: Pushkar é uma cidade de bazares com muito movimento de pessoas e motas pois os carros não passam nas ruas estreitas da parte antiga, e vêem-se muitos estrangeiros, aos quais não chamaria especificamente turistas. Do que vi, são pessoas de fora que deambulam por ali, a maioria descalços, enrolados em japamalas, com o cabelo e a roupa em estilo hippie carregando uma mochila. Também vi muitos indianos com aquele passo cadenciado de quem não tem destino ou pressa. Parece uma cidade onde se vai fazer uma pausa, onde o tempo corre devagar. Encontro as mesmas pessoas várias vezes. Há tempo para haver esta repetição de pessoas e também de cafés e restaurantes. A parte antiga não é muito grande mas tem carisma.

Não tardou muito almoçamos uma deliciosa taça de fruta fresca e um batido no Sonu Juice, que é o tipo de lugar que deveria existir em todas as cidades.



Depois visitamos o pequeno centro da Fundação Fior di Loto, que apoia meninas indianas a obter educação, onde nos foi oferecida uma saquinha de pano. Amanhã de manhã (antes de seguirmos para Jaipur) iremos visitar a própria fundação, conhecer as iniciativas, assistir à celebração anual e à atribuição de prémios das meninas e, depois iremos almoçar na casa do seu director. Ao entramos na fundação somos recebidos com cadeiras na primeira fila, volta o terceiro olho para o centro da testa e somos presenteados com colares de flores amarelas frescas. Olho para mim e cada vez me sinto mais indiana.














Por agora, subimos ao café da Madame d’Souza que nos proporciona uma incrível vista da praça e para o lago e descemos para o “Chai Corner“, uma pequena esplanada onde bebemos chai e outra bebida quente famosa com gengibre e chá verde; hoje pela primeira vez mas que se repetirá várias vezes enquanto permanecemos nesta cidade.

Depois de mais algumas voltas a pé, subimos a encosta da montanha durante cerca de vinte minutos até ao Templo Gayatri Mata para assistirmos a mais um pôr-do-sol com uma vista impressionante e para participarmos no ritual da tarde. Do sopé da montanha não imaginaríamos que, de entre os mais de 500 templos que existem em Pushkar, este pequeno templo de cor rosa tivesse uma das vistas mais bonitas. Depois do ritual hindu, acabei por conhecer o religioso responsável pelo templo.






Jantamos na cidade e ainda assistimos a parte de um festival que, pelo que soube, acontece todos os dias, e envolve cavalos em acrobacias e o empurrar de uma carroça por homens. A carroça traz a representação de uma divindade. Um pequeno tuk-tuk com altifalantes traz a música de fundo mas há um grupo de músicos com instrumentos de sopro que são os primeiros a chegar. Há também mulheres sorridentes em fila a carregar os bastões com a iluminação cujo gerador de abastecimento lhes sucede por via de uma carrinha. Confesso que me incomoda cada vez mais assistir aos animais nestas situações pelo que o meu interesse nesta festividade foi passageiro.





Na manhã seguinte, encontramos o primeiro cavalo a caminho da festa e é quando fico a perceber que há também uma demonstração de manhã. Prosseguimos entre tuk-tuks e motas ao lugar, a dez quilómetros do hotel, onde encontraremos o eremita Aloo Baba. No caminho para lá iremos ser abordados por um transportador de carroça movida por dromedário cujos serviços não aceitamos, mas no regresso vivenciamos uma cena bucólica. Aproxima-se um rebanho de cabras e bodes que nos faz parar e descer das motas. Estou a fotografar a aproximação dos animais e levo com a ponta do cajado da pastora na traseira do telemóvel que me separa do equipamento, mas afinal ela está a rir-se. Era a brincar. Continuo a fotografar aquele cenário de Kusturica e à medida que se vão afastando, aparece um indiano sikh de motorizada. A Índia é este suceder de composições humanas que parecem saídas do campo ficcional o que é extremamente sugestivo pois nunca se sabe o que vai acontecer.






O resto do dia será passado na cidade. Primeiro no “Chai Corner“, onde estacionamos as motas para apreciar a vida na praça e aproveito para montar um cenário específico para uma fotografia: dirijo-me a uma vaca que ali descansa, faço-lhe uma festinha, sabendo que no edifício atrás de mim existe o slogan do café Madame d’Souza no qual se lê “I love Pushkar”, nisto aparece um cão que se deita a meu lado, passa uma bicicleta, e mais uma mota, e pessoas, muitas pessoas até que vem uma indiana de bebé ao colo vender pulseiras e o resultado é este:

Depois voltamos ao Sonu Juice para almoçarmos, ainda irei percorrer os bazares, onde conheço um especialista em cristais que me dá uma exaustiva explicação sobre os sete chacras, e a seguir sigo com a Mariana de mota procurar tecidos indianos a bom preço numa área mais afastada do centro.



Durante o dia, por diversas vezes, tentam vender-me ravanhattas artesanais por 4000 rupias.



De regresso ao hotel para um duche e trocarmos de roupa, ainda passamos no Om Shiva Garden, lá perto, enquanto o grupo se reúne para seguirmos para a zona histórica. O serão será passado na Escola de dança Saraswati onde somos agraciados por algumas demonstrações da dança tradicional rajastani e de bollywood e por uma aula de dança com um dos dançarinos mais aclamados de Pushkar e até do Rajastão, o Hemant e sua família. Jantamos com eles na escola. No regresso às ruelas, as lojas continuam abertas e voltamos a ficar presos no festival dos cavalos. Compro incenso, livros e cadernos. E para sairmos do meio da confusão, voltamos ao Om Shiva Garden para brindar à vida.







Nas margens do lago, os ghats são considerados partes sagradas e, por isso, é proibido andarmos calçados junto à escadaria mas o piso não está propriamente limpo pois os animais (as vacas, os macacos e as pombas) circulam por todo o lado. Porém é tarde. Descalço-me no quarto e quando fechar os olhos toda a sujidade, o lago, e as pedras serão noite.

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