Quando chegamos a Jaipur observamos a fachada frontal do Albert Hall Museum a partir do outro lado da estrada. Para mim, que sempre gostei da arquitectura das cidades, o exterior de um edifício pode ser tão importante ou mais do que o seu interior, ou até, neste caso, tratando-se de um museu, do seu acervo, porém, tive pena de que não tivéssemos chegado a tempo de o visitarmos. Seguiu-se uma ida ao cinema no mais importante theater da região, o Raj Mandir. Comprei um pacote de pipocas salgadas pois não vendiam das doces e despejei meio pacotinho de açúcar. O hall do cinema é majestoso e a sala da exibição também surpreendeu. Quando as portas se abriram ocupamos os nossos confortáveis lugares em bancos que deslizavam para nos podermos reclinar para a frente. O filme, Tu Jhoothi Main Makkaar, uma comédia romântica de mais de duas horas e meia de duração, havia estreado na Índia no dia anterior. Ficamos cerca de uma hora a assistir para incrementarmos a nossa cultura sobre a indústria bollywoodesca, mas não nos quisemos impor mais tempo até porque o filme não era legendado e, mesmo que o idioma não fosse hindi, a categoria da película nunca seria uma opção de escolha.


Saímos do recinto já de noite e de passagem a caminho do hotel vislumbramos o exterior do edifício Hawal Mahal absolutamente sublime e resplandescente, como ouro a emergir de uma mina lamacenta.


Eu, que tantas vezes já me apaixonei por pinturas, ignoro se é humanamente possível apaixonarmo-nos por um edifício mas, de vez em quando, estou a deambular numa cidade e pergunto-me se os cidadãos dessa cidade terão consciência da maravilha que são certas construções por onde passam todos os dias. E vou um pouco atrás, ainda penso que aquilo saiu da cabeça de alguém, foi discutido para poder existir com determinado resultado grandioso. Isto é o que acontece com tudo o que é criado pela mão do Homem. Aproveito para incluir o nome deste homem, Lal Chand Ustad, o arquitecto responsável, pois o Hawal Mahal, ou Palácio dos Ventos, foi construído em 1799 e é uma uma obra oitocentista que jamais me deixará esquecer esta cidade. As suas janelas em alto relevo, o vidro subtilmente pontilhado de vermelho, amarelo, verde e azul apenas na parte central imaginando-se que esses apontamentos de cor tenham sido objecto de cuidadoso estudo. O fascínio por este edifício levou-nos ao outro lado da rua em busca de boas imagens. Subimos uma escadaria para vislumbrar um bom ponto a partir de um corredor sem muros mas dois homens que tomavam conta do local mostraram-nos uma tabuleta onde se lia a seguinte mensagem escrita em inglês: «Se você quer uma foto deste andar, pague 100 rupias por pessoa por apenas 4 ou 5 fotos por pessoa. Se você fizer compras aqui, mínimo de 200 rupias então pode tirar 4 ou 5 fotos por pessoa.» Depois de alguma falta de entendimento, decidimos pagar mas os homens que guardavam a área privilegiada com vista sobre a preciosidade soberana do outro lado da rua, disseram que agora não podíamos pagar o serviço e nem tirar fotografias porque os negócios estavam fechados. Tentamos fotografar mas insistiram que aquela varanda era propriedade privada, apesar de nenhuma porta a separar da rua, somente uma escadaria de livre acesso. Escrevo este episódio no intuito de não o esquecer. Perante isto, enquanto os colegas desciam de regresso à rua, decidi subir as escadas e entrar no Wind View Cafe para perguntar se poderia fotografar a partir dali. Cerifiquei-me que havia uma esplanada, vendo-a meio vazia e sentindo-a agradável numa noite tão quente como aquela. Responderam que teria que pagar mas após alguma troca de ideias consegui que, pela compra de um café, todo o grupo pudesse subir e usufruir da vista e fazer fotografias. Por falta de comunicação e de tolerância ao que se havia passado no piso de baixo, os colegas de viagem preferiram fotografar o ex-líbris de Jaipur do nível da rua. A mim, serviram-me um café e um dos empregados tirou-me as fotografias da noite, até um dos meus colegas me vir buscar. Demorei-me lá em cima reconhecendo que por certo iria voltar a este edifício mas o meu entendimento naquele momento foi rápido: há o Hawal Mahal à luz da noite e haverá outro Hawal Mahal à luz do dia. Tenho a certeza que apesar de situados no mesmo sítio são diferentes. Afinal o palácio tem uma dimensão que só apreciamos com os olhos, enquanto os outros sentidos descansam, daí a luz ser tão importante para as características do que estamos a ver. Nesta altura, eu desconhecia que o almoço do dia seguinte seria no restaurante ao lado do café e portanto a vista é bastante idêntica mas, como estava a prever agora, amanhã confirmar-se-ão cenários completamente díspares.



Hoje iremos jantar num restaurante indiano típico (dhaba), o Khandelwal Pavitra Bhojnalaya, um restaurante cem por cento vegetariano com um aspecto geral cem por cento questionável, mas onde a comida é muito boa e muito barata.
No dia seguinte, visto-me da cor da cidade. Iremos percorrer os 8 portões da cidade velha, e perceber que na verdade a cidade é de tonalidade salmão escuro e não bem rosa. As lojas (ou os bazares) são numeradas e siamesas e sucedem-se como as celas de uma prisão. Um pouco à frente bebemos chai em potinhos de barro que nos deixam levar de recordação. Depois as ruas expandem, entrecruzam-se e passamos a ter de decidir por onde ir. Há vacas e macacos. Há portões muito bonitos porém em avançado estado de degradação. Vejo, por toda a parte, muitos cabos elétricos expostos e em geral tudo bastante sujo. A maioria das ruas são em terra batida. Há muito lixo espalhado no chão. Há muitas crianças a pedir dinheiro e algumas tentam vender brinquedos. Nas avenidas principais existem mais vendedores ambulantes, com uma oferta de tudo o que se possa imaginar. Alguns acompanham-nos algumas centenas de metros apelando à compra de ímanes, pulseiras, as famosas penas de pavão e algumas coisas nem chego a perceber o que são. Mais perto do “Hawal Mahal diurno” existe uma janela de onde uma senhora faz sair uma chaleira para nos lavar as mãos. Acho isso um encanto, parece que estamos num antigo toucador.


















Visitamos o Jantar Mantar, um complexo de observação de astros construído no século XVIII muito bem conservado cuja precisão nos surpreende debaixo de um calor de fogueira.

Por insistência minha, dali seguimos de autocarro a caminho do almoço. Andar de transportes públicos faz parte de experienciar um país. Regozijo-me pelos indianos interajirem tão positivamente connosco. Também a simpatia de um povo ajuda a definir um país. Só temos tido boas experiências. Inclusive uma menina muçulmana baixa o niqab para tirar uma selfie comigo. Depois de ter vivido num país muçulmano altamente conservador espantou-me este gesto.




Seguimos para o Hanuman Temple a pretexto também de vermos macacos. Quando o tuk-tuk estaciona, a primeira coisa que faço é comprar amendoins. Depois subimos a colina e a cidade amplia-se. É mais uma vista de cortar a respiração para colar na caderneta da viagem. Subimos até ao templo onde nos colocam uma pulseirinha em fio cortado diretamente do novelo para o pulso esquerdo. Depois é hora de brincar com os macacos.









Em vez de permanecermos numa joalharia que está a tomar mais tempo do que supúnhamos, pedimos ao motorista do tuk-tuk que nos leve ao melhor rooftop de Jaipur. Como somos quatro sigo ao lado do motorista. O bar localiza-se a vinte minutos de caminho e ficamos lá a conviver até à hora de jantar. Temos um espectáculo de marionetes exclusivo que nos fez rir até doer a barriga. E segue-se um jantar especial, onde o resto do grupo nos espera, um jantar cuja confecção é de outro nível e de outra apresentação e até sinto que podia estar na Europa mas ainda bem que não estou porque dentro de alguns dias irei encontrar Portugal como o deixei mas o factor surpresa na Índia é inescapável.


