No caminho até ao deserto, e apenas a seis quilómetros, iremos visitar a área de Bada Bagh e seus cenotáfios, ou mausoléus. Bada (ou Bara) Bagh traduzido à letra significa grande jardim, que o era à época da construção. Hoje trata-se de um edificado de blocos de pedra de areia numa colina onde jaz a família real de Jaisalmer, e por isso até lhe chamam a cidade dourada dos mortos. Mais uma vez me surpreenderam certos pormenores esculpidos nas pedras. O jogo de luzes e sombras que o dia permitiu enalteceu o lugar. Foi dos cemitérios mais bonitos que já vi.






Seguimos para o deserto de 4×4 até que a dada altura paramos e vejo um rapaz com dois dromedários que está de passagem. O nosso circuito não contempla pormos estes animais ao nosso serviço. A paragem é somente para mudarmos para jipes mais pequenos capazes de galgar as dunas e, a partir daqui, somos conduzidos pelos elementos da agência Jaisalmer Moon Star Safari que irão também tratar do jantar.




Quando chegamos, subimos as dunas a pé em busca de um lugar que nos permita ver descer o sol a admirar a envolvente. Desde sempre, o deserto me fascina. A limpeza que o vento faz ao deserto é semelhante à que a maré faz na praia. É um pentear milimétrico de grãos que à distância restaura o mundo até à perfeição. Por acção da natureza tudo se renova e reorganiza, até os nossos passos voltarem a deixar marcas, e desalinhar. Tiramos fotografias uns aos outros e à paisagem e rapidamente vemos o céu corar: a linha laranja aumenta a sua espessura, e é quando o sol começa a pôr-se no horizonte. Depois daquele espetaculoso momento da natureza, que todos os dias se repete naquele mesmo lugar (mas que ao qual provavelmente nunca mais assistirei), ficamos todos a conversar deitados na areia, trocando modos de estar, ideias e ideais. Adoro estes momentos da viagem em que realmente paramos.

Quando a noite se instala vamos para junto do grupo que apoia a preparação do jantar. Será um jantar tradicional, sem talheres, sem guardanapos e, no final, bebemos chai.




No Grande Deserto Indiano, como é chamado, consegui finalmente ver um céu repleto de estrelas, tantas, que consigo fotografar alguns pontos de luz a partir da câmara do telemóvel. É magnífico observar aquele céu ali, especialmente por causa do silêncio que faz com que as estrelas ganhem mais força ou pareçam mais próximas como se os fios que as sustêm sejam ligeiramente baixados pela mão dos deus lá em cima. Também vejo satélites que estão a passar. Ainda tenho a memória fresca do céu estrelado na noite mágica da desova das tartarugas no Príncipe e, sem o decidir, entro em comparações. Ainda por consulta ao telemóvel, apercebo-me que estamos a apenas cerca de sessenta quilómetros da fronteira com o Paquistão. No céu não há fronteiras e também o deserto continua para lá dessa linha invisível. Aqui está tudo tão bem, vivemos a paz desta refeição, o mundo parece um lugar seguro mas a verdade é que subindo as montanhas a nordeste, a menos de um dia de carro, encontraríamos o arame farpado de Caxemira a separar os povos. Deito-me a olhar novamente o enxame de astros luminosos lá em cima há bilhões de anos, naquele seu mundo além-mundo e penso na minha raça há 200 mil anos em evolução neste planeta a demarcar territórios. Dá-me uma certa nostalgia do início, de muito antes de mim, quando na terra e no céu era tudo a mesma coisa e ainda ninguém era dono de nada.
