Ranakpur (Rajastão)

Ranakpur localiza-se a 100 Km de Udaipur e fica a caminho de Jodhpur onde chegaremos no final do dia. Paramos para almoçar em Gogunda e neste mesmo trajeto iremos ver macacos da janela sem que eu saiba que dentro de dias estarei a dar-lhes comida à mão. Não a estes mas a outros, o que não é relevante porque para mim ao tocar um toco todos.

Vejo também uma vaca no ponto médio da estrada em contramão como em tempos vi um elefante em África. Penso sempre que há um dedo mindinho do divino que nos chega através dos animais. A imagem do que vejo é uma vaca isolada na estrada mas é a sua liberdade e a sua paz a temperarem o nosso próprio tempo: ignorando a nossa pressa e atenuando-a devagar, pois a camioneta onde circulamos desvia-se do animal. O animal continua a sua recta rumo a um lugar que jamais poderei nomear, excepto se imaginar pois a realidade do seu curso é-me interdita. E apesar de ter consciência de saber tão pouco do que acontece a cada momento, este é o único planeta onde aprendi a ser feliz e a comover-me com uma vaca sagrada no centro da estrada.

Duas horas e meia depois de sairmos de Udaipur já o sol baixou e chegamos a Ranakpur para visitarmos um dos mais bonitos templos jainistas da Índia. O edifício em mármore é já colossal visto do exterior. Surpreendemo-nos com o que vemos enquanto caminhamos a pé até lá. Minutos antes havíamos decidido levar apenas um telemóvel para reduzir o valor dos bilhetes de entrada, mas só de vislumbrar a fachada do templo deixo-me percorrer pela sensação de arrependimento de ter deixado o telefone na van. Prossigo, pois o parque onde estacionamos ficou para trás e não acho sensato atrasar o resto do grupo ao voltar lá. É certo que o Moisés irá gentilmente distribuir com o grupo as fotografias que decidirá registar durante esta paragem, mas a arte (ou a atividade) da fotografia remete muito mais a quem nós somos do que à natureza do cenário ou dos elementos a fotografar. As minhas fotografias seriam sempre outras, mesmo que fossem em menor número e até de pior enquadramento ou qualidade. Portanto, sou grata ao Moisés pela generosidade da distribuição mas com a excepção do retrato ao homem santo (onde este surge em oração e com os olhos fechados) nenhuma das fotografias – que aqui se apresentam relacionadas com o templo – foram tiradas por mim; apenas as editei.

Enquanto o Nuno vai tratar das burocracias de acesso, nós vamo-nos descalçando e escolhendo uma prateleira para arrumar o calçado. Aproveito para envolver a écharpe azul em volta dos ombros, cobrindo-os. Estou empolgada em conhecer o edifício sagrado por dentro. No bilhete lê-se Ranakpur Jain Temple. Subimos a escadaria e entramos. Pedem-nos para não fotografar o altar. Damos uma primeira volta de reconhecimento. Os pilares e o seu trabalhado são fascinantes. Passado algum tempo surge um homem santo jaina que nos vem falar e faz uma oração connosco mas antes disso pede uma gratificação. Nesta altura já me apercebi que o valor que é bem-aceite para estas gratificações ronda um mínimo de 200 rupias, ou seja, um pouco mais de 2 euros.

Esta oportunidade de entrarmos em templos de diversas religiões faz-nos somar novas sabedorias. Ao chegar à van, recupero o telemóvel e aproveitando que adquiri um cartão de dados móveis que me permite aceder à internet a tempo inteiro, e com cobertura a partir de onde quer que esteja, inicio a continuação da viagem para tentar perceber um pouco mais sobre os jainas depois de abandonar o templo. Aprendo que, em linhas gerais, no jainismo não se crê em nenhum Deus em particular como entidade criadora nem como figura central da religião, apesar de haver representações de entidades sentadas na posição de lótus. Os jainas partilham com os hindus e os budistas a crença do karma e a doutrina da não-violência (ahimsa) contra outros seres, contudo, advogam o não absolutismo de ideias, consideram que o tempo é infinito e o universo eterno. Após esta pesquisa, percebo também que o jainismo utiliza mais a suástica do que o hinduísmo. Entre tantas religiões, poderíamos sintetizar estes devotos, tratando-os como pessoas que praticam o bem mas a Índia não se quer simplificar. A trama religiosa também traz carácter ao país. E sobre o templo, descubro que o mesmo assenta sobre 1444 pilares.

O pôr-de-sol que se vai formando contente e laranja embala-nos decorando o espaço que vai ficando para trás. Pelas oito da noite chegaremos à cidade azul.

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