As cobras em Jemaa el–Fna vieram até mim através da música. É que a música tem este efeito: leva-me aos melhores encontros. Pode ser um concerto, um momento de mil arco-íris, e até uma mudança de vida. E ali, não é diferente. Quando se chega à praça, ouve-se um som particular, provindo de flautas e tambores, que é o chamamento dos encantadores de serpentes. O chamamento chama também por mim. Sigo o som. Vejo um grupo de homens numa espécie de tenda com um tapete cinzento no chão e várias cobras. É a minha oportunidade de me intrusar no mundo delas. Dirijo-me a um dos homens sem pensar muito, para perguntar quanto cobram para estar um pouco com os animais e o hipnotizador responde “ce que vous voulez donner” (pago o que quiser dar), colocando-me de imediato uma cobra em volta do pescoço cuja cabeça e cauda devo segurar com as minhas mãos. Nunca tive medo de cobras. Tive educação para não as temer. Pelo contrário, satisfaz-me tocar-lhes enquanto me sento no chão. Surpreendo-me com a textura fria das escamas. Aproveito para lhes observar os olhos pequeninos, a língua bicúspide – muito rápida nas aparições fora da boca – e, reparo em especial no pescoço largo dilatado da Naja escura que está à minha frente numa posição que se diria sentada. Eu e as serpentes estamos sentadas na praça e as pessoas vão passando com trejeitos de horror. Olham-me como se eu estivesse imersa num perigo imenso, disposta à picada súbita e ao envenenamento, e eu simplesmente a brincar com agrado, sem gastar quaisquer laivos de coragem, absolutamente confiante no carácter amistoso das serpentes.







Nunca tive medo de cobras, repito. Tive educação para não as temer. É a diferença de não me ter sido incutido que “as cobras são más”. Nenhum animal é mau, apenas se protegem e defendem e atacam por questões de sobrevivência. Escrevo este texto para recordar que os animais não são nossos inimigos. As cobras são seres bonitos em Jemaa el–Fna, porque baloiçam elegantemente e dançam na medina suspensas nas nossas mãos. Imagino-as bem tratadas fora dali em longos períodos de descanso, e bem alimentadas para obedecerem aos seus domesticadores. 2023 está a começar e não pretendo passar qualquer ilusão de bravura. Vou apenas matando alguma da curiosidade que sinto pelo mundo, tocando-o.
1 comentário
Os comentários estão fechados.