O Miradouro das Antenas (Ilha do Príncipe)

De repente, poderia ser a Arrábida a encher-me o espírito com sabor a casa, na sensação de consumir com os olhos o que me enche o corpo como se o horizonte me entrasse pela boca. Poderia ser a Arrábida mas é outra descida. Não vês nenhum parapente aqui, nunca viste. O Miradouro das Antenas é como um olhar sobre outro azul que contém mar, montanhas altas e a praia Macaco deitada à direita, imaculadamente lavada pela máquina incansável do oceano. A praia igual cada dia, o mar igual cada dia, a tempestade iminente a cada hora. Nunca sabemos quando mas sabemos que vem. É como dizem: aqui encontras a natureza no seu estado mais puro e ainda pouco acessível. E não imaginarias a dificuldade do caminho até chegar à praia no sopé da montanha – a praia Macaco: o tamanho das pedras, o tamanho dos buracos; é preciso a experiência, a noção de atravessar um não-trilho e a confiança de saber conduzir em África. Mas ali de cima o mundo está demasiado absorto no seu epicentro. A miragem tricomática da ilha naquele silêncio não permite ver mais nada. Tudo é azul, amarelo e verde, sobretudo, verde. É tremenda a quantidade de árvores adormecidas nos seus vazios. Atrás de mim, uma asa de avião pousada que ninguém explica por que braços chegou, por que datas se despenhara, nem de que corpo se soltou. Um pequeno mistério que valeria a peregrinação para encontrares e vislumbrares aquele horizonte tão limpo.

De repente, poderia ser a Arrábida a inundar-me de sentido, mas é o Golfo da Guiné, depois da safra do universo e de um vulcão há 31 milhões de anos ter cuspido a ilha. Cravando-a de picos para que possamos subi-los: Pico Papagaio, Pico João Dias Pai, ao lado do Filho e todos os miradouros onde estas estátuas de basalto se enaltecem. Ocorre-me pensar que quando eu morrer serão na mesma 31 milhões de anos; é caso para soltar uma gargalhada com ecos no Gabão. É curioso como quando se pensa no tempo ele se majora ao infinito. E nós, apenas pequenas centelhas de vida de passagem neste mundo. Tão pequenos e por vezes tão invadidos de enormes preocupações esquecidos dos conselhos anímicos de Mary Schmich sobre o uso de filtro solar.

No Miradouro das Antenas ficas mais sintonizado com a ilha, e os sentimentos transbordam. Já passou um mês desde o meu regresso, ou devo dizer: passou um mês desde o meu regresso. Hesito mas sorrio ao tempo ao divisar toda aquela beleza. O Príncipe tem esta costa de coração quente, mais ampla, como um abraço redondo, amplexo. Uma costa vazia, longe dos grandes cargueiros de Setúbal (para ti “pequeninos”). Uma costa pronta para te receber, ansiosa por visitantes, muito cheia de mar mas sem grandes navegantes. Corre um barquinho de pau com um motor lá pousado. De cima, conto três dedos deitados para deixar de o ver. A distância medimo-la assim, sem réguas, sem compassos, e, sem passos entre mim e ti por serem muitos e não os querer contar. E a proximidade é aquela ideia-ilusão bonita que não se consegue medir a não ser com saudade, pelo peso dela no coração. Talvez tudo possa ser pesado na verdade, mesmo as coisas mais leves e belas da vida. Einstein provou que a luz pesa. Aliás, foi bem aqui que se comprovou a equação fundamental (E=mc^2) que explica justamente isso sobre a gravidade juntando tempo, espaço e matéria para fazer energia. Faltava explicar que um raio de luz, se encurvaria ao passar perto do Sol. Ainda hoje se percebe como esse efeito seria difícil de evidenciar. E foi nesta ilha principesca que se provou que a matéria-energia deforma o espaço-tempo. Aconteceu na Roça Sundy, onde hoje trabalho, mas há mais de um século, no dia 29 de maio de 1919, dia de eclipse total do sol, exactamente o dia em que no distrito de Aveiro nascia o meu avô paterno, Mário Serafim de Oliveira: uma estrela que pisca só para mim quando olho o céu à noite.

Gosto do Miradouro das Antenas porque é um observatório que me transmite energia guiando-me com o presente, comigo, e com as coisas que lá por fora importam, porque me traz alguma humildade, põe-me do meu tamanho, suja-me a roupa de barro quando me visto de branco, e, se queres que te diga, quando olho todo aquele mar azul gigante o que eu vejo primeiro nele são sempre os teus olhos. Imagino como se terão enchido de brilho frente ao Sado quando esta noite o mundo inteiro soube que o mundo todo se voltaria outra vez a sintonizar um pouco mais para a esquerda: Lula venceu.

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