
Em 1988, Trinidad foi declarada Património Mundial da Humanidade pela UNESCO. Acho que é muito rara a oportunidade de se regressar ao passado desta maneira. As ruas são estreitas e a calçada é composta por pedras do rio, irregulares e de variado tamanho. As carroças abundam, e os sinais de trânsito incluem-nas. É uma cidade vaidosa: os alpendres e as grandes portas das entradas principais das casas caracterizam as fachadas, nalguns casos decoradas por motivos de estuque com desenhos diversos que as adornam fazendo-as mais bonitas. E as cores? As cores comportam cuidado em fazer do velho novo. Até os passarinhos parecem cantar felizes no interior das suas gaiolas. Trinidad encontra-se bem arrumada: os edifícios do centro histórico são maioritariamente casas coloniais espanholas. Em algumas casos, mantêm-se os barrotes de proteção em frente das janelas, característicos do século XVIII que terão sido substituídos por ferro no século seguinte. Dir-se-ia que as casas foram sendo colocadas uma a uma, escolhidas como peças Lego, para que resultasse aquela combinação tão harmónica. Uma casa azul, uma amarela, uma rosa, fluindo, com a mesma coerência dos acordes musicais que ouvimos na praça. É uma cidade assertiva: os restaurantes recebem-nos ao final da tarde para um almoço ajantarado, bem acolhido no terraço onde outros viajantes apreciam as sombras pousadas ao lado do brilho particular que têm as coisas durante a hora dourada. Além disto, é uma cidade educada: cada pergunta para orientações é replicada por vários habitantes, e adornada por braços que indicam rumos, vozes que encaminham uma mesma direção. Seja para onde for, até a noite descer, o destino leva-nos à boa-ventura dos arredores da cidade: o misticismo da praça das Três Cruzes, onde as crianças pedem caramelos; a casa original da Canchanchara; a outra Bodeguita del Medio onde se bebe mojito à luz das velas na hora dos apagões; o concerto na escadaria da praça levando o corpo a dançar. Por tudo isto e mais, Trinidad é uma cidade preparada para bem-receber que conquista quem chega: os homens a cavalo convidam-nos a montar os seus animais. Vou no impulso de me reconciliar com a minha própria natureza. Vou porque a cidade deixa. Vou pela verdade que me impele a satisfazer um desejo não planeado como uma pequena centelha, um salto quântico no inesperado da vida. Por isso, dirijo-me ao cavalo, primeiro para olhar os seus olhos e tocar-lhe no chanfro, que é a minha forma de o cumprimentar, depois subo. Dou-lhe respeito desde o dorso. Tenho a certeza que o sente apesar de a sela nos separar. Passeio aquele pouco que é tanto em contentamento e até em inspiração. Agradeço ao acaso, largando parte da minha alegria na atmosfera da cidade. Quando desço do animal, depois de o afagar – sentindo passarem-me as crinas entre os dedos e isso me comover -, aquela alegria não termina. Quando os pés descalçam o estribo e descem ao chão, a alegria não acaba. Vou ver outra vez os seus olhos mansos como se me despedisse. E é esse o momento do auge em Trinidad que irei levar comigo.



















































