O que é que fizeste hoje para fazer a diferença?

No primeiro dia em que entrei no escritório da Roça, vi esta fotografia na parede interior do lado direito e pensei que gostava de ter sido eu a tirá-la. Mas teria de ter acontecido no mesmo dia e naquela mesma hora e desde o mesmo ponto do observador-fotógrafo para ser igual, tal como está: A menina, naquele instante do tempo, com o macaquinho no seu ombro puxando-lhe o top.

(fotografia da autoria de Ruben Fortuna)

A menina que ali ficara imóvel, com o seu olhar em alvo agora para nós, todos quantos chegamos. Depois reparei na mensagem que está numa fita acima. E todos os dias penso nessa mensagem que é também uma pergunta. Contudo, se tivesse sido eu a escrevê-la, seria ligeiramente diferente, seria: O que é que fizeste hoje para marcar a diferença? Nos dias que vivemos aqui na Ilha, presentemente, a electricidade está racionada, isto é, limitada a certas horas do dia. O que quer dizer que, durante a noite, o ar condicionado não funciona e que temos de nos levantar às escuras se houver necessidade, e que até às sete horas da manhã não há água quente. E isto é que é viver em África. O frigorífico descongela a comida todas as noites, e volta a congelá-la de dia, por isso, só conseguimos manter refrigerados um mínimo de alimentos. Mas podia ser bem pior. Pois no calor africano, a rede mosquiteira trazida de Portugal ajuda a prevenir a malária e a dengue. Desde que troquei de quarto deixei de ouvir os galos nas traseiras a comunicar desde as três horas da manhã com os galos vizinhos. Sobram as festas aos fins-de-semana do lado da avenida e a esse barulho eu já me habituei. Porém, quando a luz vem, continuamos a viver em África. É prudente ferver a água de véspera (que passo para um frasco) para lavar os dentes no dia seguinte. As portas para as varandas têm de estar protegidas por baixo por esponjas (que é necessário trazer de Portugal) para impedir a passagem dos bichos rastejantes. E a máquina de purificar a água do escritório também está repetidamente em reparações de bombas e outros elementos. Às vezes, não é fácil arranjar água para beber. O gás ainda não é canalizado, no entanto, tenho aprendido com esta experiência que uma botija dura muito mais tempo do que imaginava. Os fósforos não acendem devido à humidade do ar, por isso, comprei um isqueiro para acender os fósforos e poder acender o lume. E assim vai a vida na Ilha. A televisão não passa canais portugueses. E para ver as notícias do mundo consegui arranjar uma VPN gratuita para me actualizar através da internet. Não é muito confortável estar em casa mas podia ser pior. Embora o problema que menos me descontraia seja a fossa da casa-de-banho, pois provavelmente as condutas estão desalinhadas e tenho de me socorrer com aerossóis de enganar a qualidade do ar e decorar os ralos com as tampas dos frascos. E apesar de tudo ser tão diferente do lugar de onde venho, da vida que tenho em Portugal; mesmo assim, vem-me sempre à ideia aquela pergunta: O que é que fizeste hoje para marcar a diferença? E é disto que venho falar. Entre deslocações casa-trabalho, trabalho-casa, casa-praia, ou casa-qualquer-lado, tenho-me apercebido que existem meninos na rua que andam aos pássaros. Andar aos pássaros é estar na rua com fisgas na mão, apanhar pedrinhas, procurar por pássaros, mirá-los, e deixar as pedrinhas ir rapidamente ao seu encalço com a força dos elásticos. E assim se entretêm os meninos da Ilha. Aprendi numa conferência da Fundação Príncipe que a Avifauna está sob ameaça. Há oito espécies endémicas no Príncipe. O pássaro amarelo que um menino trazia nas mãos pode ser uma delas. Não sei se é dos que está em extinção, mas este já está extinto. A criança diz que os mata para comer. Falo da fruta que se pode apanhar. Falo dos ninhos abandonados quando os progenitores não regressam. Falo de que são passarinhos que não existem em mais nenhuma parte do mundo, e que temos de os proteger. Falo com a linguagem mais simples que encontro. Peço-lhes que imaginem uma ilha sem passarinhos. Tenho andado a fazer campanhas de sensibilização entre as crianças que encontro. Páro o carro, converso com eles. Não sei se me entendem. Mas se matarem menos um pássaro já terei feito alguma diferença.

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