À boleia para o Hipólito

Como de costume fui comprar abóbora à Lorenza, depois de estacionar em frente a casa. Apesar de ela não ter abóbora para vender, a surpresa foram os ranquinhos de alface (ainda com raiz) expostos numa mesa do lado exterior da loja. Foi a primeira vez (em mais de dois meses de vida na ilha) que encontrei alface. Comprei três e pensei “Não vale a pena levar mais senão estraga-se“. Também não via ananás há várias semanas na ilha. Mas ela, a Lorenza, tinha um na banca à entrada do lado interior da loja, à frente do anúncio da CST que é a Companhia Santomense de Telecomunicações. A loja da Lorenza está sempre aberta, parece uma entrada de garagem mas é a casa dela. Ela própria diz “Está sempre aberto. Eu moro aqui”. Pedi-lhe o ananás que a balança pesou com 1 Kilo e 900 gramas. A Lorenza (que por diversas vezes já me provou a sua honestidade) disse que achava que o fruto não estava bom, e que se calhar era melhor não levar. Olhei o ananás a sorrir-me, um pouco mais escuro do que costumam estar, porém, arrisquei e comprei aquele espécime tão desejado. Ao chegar a casa regozijei-me quando o abri, separando-o em duas metades frescas amarelinhas adocicadas, no seu mais perfeito estado de amadurecimento. Mas, antes disso, ainda na rua, precisava de arranjar abóbora para a sopa. Da Lorenza, a poucos passos de distância, dirigi-me ao Cuca, que é um supermercado que fica logo a seguir à Romar, na rua da Padaria. O Cuca parece uma drogaria antiga, dá gosto lá entrar, pois os produtos estão expostos ordenadamente, os armários são altos e está tudo à vista, de forma bem organizada. Às vezes, faz-me lembrar o Pavilhão Chinês no Príncipe Real mas sei que não é boa comparação. Pedi abóbora mal entrei mas também não tinham. Disseram que a esta hora ia ser difícil encontrar mas talvez houvesse no Hipólito. Adiantando-me para tentar confeccionar uma sopa de bom sabor comprei cebolas e batata doce. Ainda trouxe chouriço e feijão vermelho. Depois perguntei onde é que ficava exactamente o Hipólito para lá ir. No Cuca disseram-me que era junto à loja de tecidos lá à frente. A minha face provavelmente dispôs aquela expressão em ponto de interrogação, na qual a minha sobranceira direita se eleva e a outra se contrai, o que fez com que o menino que me atendeu pedisse ao moço que lá estava para me mostrar onde era o Hipólito. Já não me recordo do nome dele mas vi um rapaz alto a acenar que Sim, com a cabeça e isso era ele a confirmar que me levaria ao Hipólito. Então coloquei as compras na mochila já pesada, fechei o zip, e saí com esse rapaz a apontar-me aquela que era a sua motorizada. Enquanto ele subia para a moto, eu vi que trazia uma extensão eléctrica (daquelas redondas de roldana) atada no fim do banco. E eu subi logo a seguir. É claro que ninguém tinha capacetes para proteger a cabeça. Do Cuca ainda ouvi gritarem “queres deixar aqui o extensor?” mas, antes de deixar o rapaz responder, eu retorqui alto para o outro lado da rua que não seria preciso, estava bem assim, pois não me incomodava nada. Na verdade, até pelo contrário, a extensão segura (na parte mais atrás do banco) servia de base que me amparava a mochila, e que bem que eu ia sem lhe sentir o peso. Assim, confortavelmente, seguimos caminho para o Hipólito. Com o movimento da moto parecia que o ar se mexia, tornando o fim de tarde anormal, no melhor sentido que se pudesse sentir algo fora da normalidade, e melhor ainda com aquela brisa a passar-me na cara, e despenteando-me o cabelo. Era isso e sentir o chão muito mais próximo do que do alto da pick-up, e contornar a rotunda e os buracos do pavimento que o rapaz ziguezagueava com mestria, para entrarmos na Avenida Mártires da Liberdade, num puríssimo regalo de viver aquele momento. Nisto, ver passar a minha casa, depois a pensão Palhota a ficar para trás, o Luso Cash, o banco da má língua junto à Igreja do lado esquerdo, e de repente já a chegar ao Hipólito. No caminho lembrei-me de viajar inesperadamente assim de moto no Uganda, em Março do ano passado, por ser a maneira mais rápida de evitar as filas de trânsito em Kampala. Aqui, na capital mais pequena do mundo, tratava-se de uma voltinha mais curta de moto mas em liberdade máxima. Enquanto descia e agradecia, perguntei-lhe quanto era. “Não é nada”, dizia o rapaz simpaticamente sorrindo. Agradeci em repetição e entrei no supermercado. A senhora da caixa que me vira descer do veículo sorria por me ter visto descer da mota do compatriota a dizer “Ah o Hipólito é aqui!”, mas o Hipólito também já não tinha abóbora para vender. Em contrapartida havia maças pequeninas vermelhas. É curioso que a caixa dizia que as maçãs vinham da Ucrânia. Sobre isso não fiz perguntas. Não me interessou que me viessem deletar a curiosidade suscitada no momento da aparição dos pseudofrutos. As maçãs eram tão saborosas quanto possível para quem não as via também há mais de dois meses. E depois de adejar aquele quase quilómetro de moto, num estado (como Aristóteles chamou) de eudaimonia, não gostaria de discutir a Guerra que lá longe retrai a Europa. Aqui em Santo António, somos meia dúzia de pessoas a conduzir veículos de duas ou mais rodas. Mesmo assim há certas pérolas da terra. No fim-de-semana fotografara uma Swagger de jantes pintadas de azul Miró à entrada da Praia Banana. Escapou-me o proprietário que deixara o seu capacete vermelho pendurado na frente, onde havia uma chapa pintada com o número de telefone e onde se lia “Good Boy” mas qual era o espanto: aqui no Príncipe são tudo bons rapazes.

Lorenza {em 29/04/2022, um dia de sol, quando havia fartura de ananáses}