António Carlos Jobim escreveu e cantou que “da janela vê-se o Corcovado, o Redentor, que lindo!” e no Rio de Janeiro, apesar da magnificência da estátua de um Cristo agigantado, foi a paisagem magistral a Seus pés a razão que me levou a subir de bundinho para saborear todo esse esplendor. Era o ano de 2007 quando me dirigi ao Cosme Velho e subi de “trem” ao Corcovado, sozinha, sem medo do rótulo de lugar inseguro. Foi como reconhecer o poder sedutor de uma metrópole erguida com os pés na areia e bordada pelo mar. Há 15 anos, a cidade maravilhosa apresentou-se-me acolhedora e tenho saudades desse Rio quente, com aquela sua gente singular, plena de vida, característica por ser alegre, calorosa, assestada pelo ritmo de um samba contagiante que evoluiu em bossa nova: gosto dessa música que impele naturalmente a mexer o corpo e a cantar as canções. Parece tudo mais simples. Os braços de Cristo abriram ali porque o Rio de Janeiro é uma espécie de breviário da América do Sul, tudo nos cariocas faz lembrar a presença de Deus. Mesmo não sendo crente, até hoje não encontrei no mundo lugar de maior devoção. Não há eletricidade mas há fé dentro das favelas, inquebrantável. É portanto um outro tipo de luz, gloriosa, essa da alma. O mundo da existência não é o mesmo das razões, a tal ponto que quando visitei o Brasil, decidi naturalmente que seria uma boa morada para me fixar, mas a vida tinha outras listas para mim, ávida de me entregar outras geografias.

Voltando ao Redentor, alguns anos mais tarde, na freguesia do Pragal, em Almada, ergueu-se o Cristo-Rei voltado para Lisboa a abraçar o Tejo que apenas visitei em 2019 por ser um santuário monocromático de cariz religioso, e, onde, entre um bocejo e o seguinte, Cristo provavelmente viveria pois quem estaria disposto a abraçar um rio depois de abraçar toda uma cidade junto ao mar?

Antes disso, por altura de 2015, numa viagem à ilha da Madeira, descobri por um belo acaso, outro Cristo na Ponta do Garajau, em Caniço no Funchal, e vim a ter conhecimento que, é este afinal, o mais antigo monumento que foi edificado a Cristo, neste caso em 1927. Um Cristo, qual Ulisses, completamente dedicado a abraçar um oceano, onde o tempo se acumula e passa mas, paradoxalmente, nada no horizonte se altera.


A versão feminina que foi colocada na capital do interior da LX Factory, nasceu no espaço Rio Maravilha, curiosamente, inaugurado no dia do meu aniversário em 2016, e veio trazer um colorido especial a Lisboa. Chamaram-lhe a “Crista-Rainha” e a escultura parecia provocar um efeito espelho à distância do Tejo. Como um par improvável acenando-se, e, como boa romântica, imagino a alegria no Pragal e Cristo entoando o resto da canção de Tom “Quero a vida sempre assim/ Com você perto de mim/ Até o apagar da velha chama”. Entretanto, não sei se a chama apagou mas em 2020 a menina foi retirada do espaço em Alcântara, porque o Rio Maravilha não terá resistido à pandemia e fechou. Não sei para onde a levaram mas aprendi que raras são as coisas eternas, por isso, o melhor em cada dia é abraçar a vida fazendo-nos a ela e, nos intervalos, dar muitas gargalhadas.


“Se Deus existe ele tem a voz do Milton (Nascimento)” Elis Regina