Um ananás por um retrato

A estrada é uma linha comprida com curvas pouco pronunciadas e muitos buracos. Vimos de longe. Enquanto erramos de terra em terra, o tempo vai mudando. Temos direito a várias estações num dia, dependendo da quantidade de nuvens que nos acompanhem de cima. Mas a terra muda pouco, é ocre, poeirenta e os casebres parecem cópias em tijolo cobertos por telha de amianto. Era capaz de ficar meses sem parar a ver este cenário da janela, a encontrar os meninos que atentam a sua desconfiança muito quietos lá de fora movendo o pescoço a acompanhar-nos e os outros que dizem adeus com uma das mãos e correm atrás da carrinha. Era capaz de ficar naquela espécie de sonho sem regresso indefinidamente mas amanhã é dia de trabalho. Aí vamos em frente estrada fora mas até parece um carrossel pela certeza de que iremos parar após a diversão e o tempo passa alegremente. Voltamos de espírito cheio pelos episódios do fim-de-semana, das mil formas que vimos, cores e dos tantos sorrisos da população, sempre interessada em forasteiros como nós. E porque foi tudo verdadeiro. Por isso olho para mim e sinto-me melhor dentro da minha pele, a fazer o meu caminho. Quero ser sempre assim, alguém com esta urgência de aprender entre os outros, com os outros, esfomeada de tudo o que ainda não vi, e não vivi.

O sol começa a corar ao longe: é o crepúsculo. O motorista conduz. O caminho estende-se de outra maneira quando não vamos ao volante. Independentemente da hora e da luz do dia, gosto de levar a lente a recolher as pessoas nos boda-bodas. Chego a ver cinco elementos montados na mesma moto sem capacete, incluindo crianças, e bebés. Primeiro fotografo de trás, depois de lado e eles muitas vezes apanham-me em flagrante, e fazem caras zangadas. Não sei o que pensarão mas percebo que nunca podemos saber o destino de uma fotografia. Depois retiro a câmara da frente, descobrindo a minha cara e o meu entusiasmo que é a maquilhagem natural que gosto de usar diariamente e acho que eles deixam de se importar com os cliques de antes. Aos domingos, todo o trânsito afunila para Kampala e a marcha vai-se tornando mais vagarosa com o aproximar da capital. Nestas circunstâncias é um erro sentirmos pressa de chegar seja onde for. E às vezes o melhor é mesmo parar, como fizemos num mercado à beira da estrada para comprar ananás. Veio uma menina de lenço rosa forte atando o cabelo atender-me à janela do carro. Achei-a tão bonita que lhe disse que era bonita. Deixei-a ficar com o troco da fruta e pedi para lhe tirar um retrato. E ela disse que sim.

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