Este é o rosto que marcou o meu dia, fez aquele meu dia melhor e inolvidável. O encontro com uma pigmeia; depois de escrever não estou certa da forma feminina a usar para pigmeu, mas deixo seguir o texto como está, também na razão de evocar Homero que a História (Ilíada) regista ter sido o primeiro a utilizar o termo. Após alguma pesquisa, verifico ainda que a palavra tem justamente origem grega: uma medida de comprimento utilizada por antigas civilizações, e que, dependendo do povo, poderá ter várias medidas mas sempre menos de metro e meio. Neste caso, remete a alturas. Felizmente, há muito que aprendemos que as pessoas não se medem aos palmos, pois o contrário seria tremendamente redutor e desprovido de ética. Na verdade, nasce-se e cresce-se até onde ditam os genes, um dia não se cresce mais e isto é como a cristalização predeterminada do próprio corpo; uma inapelável sentença. Mas o ser maior ou mais pequeno não tem que ver com matéria. Nem podemos julgar as pessoas por essa condição.

Tive, portanto, o prazer de conhecer esta senhora numa loja em Bwindi. Não falava inglês mas ria e interagia com as suas cativantes danças e mimicas. Contorcia o corpo e emitia um dialeto por mim não entendível. É curioso quando alguém se ri para nós com o poder de nos contagiar. E percebemos claramente a virtude de trazer o “bom” ao de cima. Estas pessoas estão mais vivas que as outras e, nem chegamos a reparar na altura que, essa vida a mais que lhes sobra nos perpassa em centelhas de luz, de energia, ou qualquer outra coisa encantatória que se nos agarra para levarmos connosco. E esta é uma das múltiplas formas como podemos infetar a vida dos outros, vamos portanto sendo sujeitos a certas transformações vitais que hão-de fazer parte dos maiores mistérios do universo. Alguém disse que “se te conseguires interessar por outras pessoas, poderás ganhar o mundo” e, naquele caso, não eram precisas nenhumas palavras para despertar a emoção que nos faz rir e sentir o coração amaciado. Porque vendo bem as palavras não servem de nada sem o som, e o som já existia. Vinha dela uma linguagem que não se entendia mas também não era relevante. Como não era minimamente relevante a questão das alturas. Onde vingava a relevância da nossa interação era no rebrilhar dos olhos e na alegria do rosto que ofuscava as circunstâncias onde estávamos e o tempo. Isto é, eu estava dentro de uma loja e esqueci-me do que fui comprar e do tempo em que ali estive. Poucas vezes vi um sorriso tão autêntico na minha vida. Mas, se reparar com atenção, vejo como é espantoso o poder do sangue a fluir através do movimento dentro de uma expressão. Há-de ser o poder da bondade genuína ou a própria definição de autenticidade. Creio que em África existe um estado de atenção plena ao que acontece a cada instante. E, apesar de os pigmeus, provavelmente serem alvo de discriminação entre as diferentes étnias, naquele contexto eu nunca me lembraria das dificuldades destas pessoas em arranjar alimento, água e todos os demais desafios das suas 24 horas. Agora penso que a capacidade delas em relativizar, superar obstáculos e lidar com adversidades pode explicar a sua fonte primária de felicidade. Temos muito a aprender com estes “baixinhos” gigantes da floresta.
