Foi em frente ao Copacabana Palace que as vi. As tecedeiras mágicas de trancinhas africanas. E, ante a possibilidade de me manter penteada nos dias seguintes, não hesitei um segundo. Decidi ficar a aguardar a minha vez, com as minhas amigas igualmente à espera. Há lugares onde situações como esta ganhariam uma espécie de espessura que pareceria aumentar o tempo, no entanto, há outros em que acontece o inverso. O calçadão carioca é uma sala de espera delirante porque os brasileiros são naturalmente bem-dispostos, curiosos e de bem com a vida. Na verdade, nesta viagem, retive para mim, que o povo brasileiro utiliza o sofrimento como um profissional da rádio, com um talento similar para fabricar permanentemente alegria. Ou então redescobrem-se em face da melancolia, fingindo-a. Talvez a convertam numa outra coisa, exorcizando a amargura que a todos algum dia atinge, porque demonstram invariavelmente bom humor, ou, como preferem dizer, alto astral. Por isso, não me lembro de as meninas demorarem mais de 10 minutos trançando-me o cabelo. As distracções já eram muitas além dos transeuntes enquanto esperávamos: a moldura da cidade com o mar por dentro, a Urca unida por fios com carrinhos ao Pão-de-Açúcar, os campos de jogadores na praia, os vendedores de água de coco e os prediozinhos alinhados ao longe. No mar estava escrita uma cidade, uma cidade muito cheia de clichés mas o Rio de Janeiro tem direito a isso tudo e mais. Há uma imensidão de paisagens quando se olha do Corcovado. E Cristo de braços abertos a abraçar o céu e toda aquela cidade que deslumbra, única, mais bonita do que os postais mais bonitos e as fotos mais carregadas de efeitos. Vale a pena corrermos a todos os recantos porque as diferentes perspectivas são lindas e cheias. Então lá estava eu, Carlos Drummond de Andrade, e a Flávia, num banco em Copacabana. Já lá vão 10 anos e parece-me que foi muito mais tempo atrás. Isto há-de querer dizer que eu aproveito o tempo que passa, enchendo-me com o novo para sobrepor nas várias memórias da minha vida. Para quem lê, esta estória podia ter sido ontem. Felizmente, nada, de facto, se sobrepõe. Simplesmente cada coisa fica no seu lugar, ou então, as camadas estarão lado a lado num espaço estranhamente sem geometria temporal. Como aquele mar sem fronteira, que é o mesmo mar agora e já anunciava a cidade antes do Rio nascer.
