Atravessar do mundano para o sagrado neste templo xintoísta, símbolo de um Japão renascido onde todos se sentem bem-vindos, é uma experiência que estes mesmos todos dizem querer repetir. As raposas recebem-nos de coleira e adereços, colorida e simbolicamente, antecipando as lojinhas com múltiplos souvenirs e os restaurantes na base. Depois, as escadarias, rampas e degraus que se sucedem, com muitos japoneses nas suas práticas religiosas e quatro quilómetros de torii em várias horas com as paragens que quisermos para retomar a corrente e muita água, mas sempre em subida até às colinas. Os torii são os portões. E cada um dos portões é único no conjunto das suas inscrições, tamanho e largura. E são milhares de estruturas, compostas por 2 pilares e uma trave a ligá-los, pintados de uma cor vermelho-vivo-alaranjado que representam a aproximação entre o mundo dos homens e dos espíritos da natureza (Kami). Simbolizando, portanto, uma espécie de ascensão às divindades protectoras ancestrais. E atravessámo-los como num labirinto que nos há-de levar a um lugar ambicionado e novo. Às vezes, não vem ninguém e apressamo-nos a tentar a foto perfeita: apenas nós e os portões. Mas, entre tantos turistas e curiosos, é difícil haver essa oportunidade. No cimo do Monte Inari, a 233 metros de altura, estão dezenas de milhares de túmulos. O caminho é longo com incontáveis pessoas em procissão mas não custa fazer. Alguns já vêm a descer em direcção contrária. São na verdade, muitas as pessoas em ambos os lados. Empurramo-nos em espírito, aliados à vontade dos outros e ninguém se atropela. Coisas que se fazem em comunhão com a natureza, com o Sol que raiava nesse fantástico 3 de Maio de 2019, e talvez com algo ainda maior. Porque há coisas que nos guiam sem grande explicação no nosso dia-a-dia até nos questionarmos sobre tudo o que sentimos porém que não vemos. Depois apetece comunicar com aquilo, normalmente olhamos para o céu, a pensar nas perguntas que haveria para responder, acreditando que se pode saber tudo. Às vezes, a comunicação divina parece tão evidente como a Oliwia Mortel a falar com Deus enquanto canta Miserere. E eu a lembrar-me disto com a alegria comigo a subir os degraus num continente diferente do meu e num país tão longe mas onde me senti imediatamente em casa. E era assim que acontecia debaixo dos portões escarlate, passava-se do plano terreno para o lugar onde os outros também iam. A seguir descíamos ao sabor dos portões alinhadíssimos, num caminho onde ninguém se enganava, mesmo a tempo de abandonar o calçado e sentar à mesma altura a que os pés descansam no chão para almoçar.