Mudei-me para Haia depois de, ao longo vários meses, ter frequentado em Lisboa um curso de fotografia profissional. Nesta fase migratória, aproveitei a novidade da mudança geográfica para afinar o olhar, e experimentar as novas técnicas de edição recém-apreendidas que, efectivamente, me reeducaram no processo de fazer fotografia. Ao contrário de Amesterdão, Haia é uma cidade sofisticada, fresca e apelativa, onde o que faz a diferença está bem arrumado, cuidado. É fácil sentirmo-nos ambientados na cidade que é, também, domicílio da família real. O bom funcionamento da rede de transportes públicos, a sinalização dos elementos importantes, e o cumprimento de horários são pontos a favor. E outro, não menos importante, que torna esta metrópole aglutinadora fácil de pessoas de todo o mundo é o facto de que, apesar de não ser a capital, serve de sede administrativa do país, onde se localizam todas as embaixadas e ministérios, e várias organizações internacionais. Praticamente a totalidade dos holandeses domina a língua inglesa e, seja qual for o motivo que nos leva a viver em Haia, esta cidade tem um efeito de conquista rápido. Eu, com uma máquina profissional recém adquirida, estive atenta, desde a primeira hora, à descoberta de objectos para fotografar. Dentro de casa, encantada com a vista do vigésimo quinto andar, consegui registar inúmeros ensaios da zona da estação ferroviária central, a horas diferentes do dia, desde o amanhecer à noite fechada, com sombras e brilhos únicos: um lugar perfeito para time-lapse. Pela cidade ocupei-me a fazer grandes caminhadas, e foi junto à praia na área de Scheveningen que cumpri melhor esse desejo de encontrar o que precisava, deliciando-me com as estátuas gigantes de Tom Otterness e a lindíssima máscara de Igor Mitoraj que pretende reflectir a luz da lua no jardim do museu de esculturas ao ar livre, sem esquecer o cais em jeito de rampa de lançamento sob o mar do Norte. Após muitas fotografias em disco, comecei a procurar um estilo que identificasse como meu, ao tirar partido do vazio das áreas fotografadas, das formas simétricas, e a evitar redimensionar as imagens para que estas não perdessem qualidade. Subtilezas de atenção e pequenos cuidados com os quais não me preocupava antes mas que, com o tempo, pude comprovar fazerem grande diferença. O mais divertido foi compreender as incontáveis possibilidades relacionadas com os jogos de tonalidades. Nestes malabarismos de edição, penso que o truque para personalizar e conferir um certo cunho à fotografia passa por, simplesmente, conseguir uniformizar as imagens de forma original, mas é neste ponto que reside a dificuldade. Eu segui um caminho que me pareceu uma boa ideia. Tentei fazer ressaltar o essencial dos objectos (mantendo a atmosfera de mistério sobre o que não estava contido nas imagens), e pelo menos um elemento que se destacasse em comum que, no meu caso, foi uma mesma cor (azul) predominante. A Holanda e, especialmente, as cidades de Haia e Roterdão, por serem modernas, fortemente marcadas por arquitectura contemporânea de linhas rectas e presença de cor, prestam-se a este género de fotografia performativa e de pormenor. E este período da minha vida, permitiu-me aproveitar a cidade como modelo. Portanto, Den Haag ficou para mim como um espaço de criação minimalista e geométrico, pelo menos, houve intenções de o representar de forma simples e coerente. Esta tendência mantém-se até hoje em lugares completamente distintos. Porém, nada disto é novo. Talvez o estilo apareça com o tempo, porque definitivamente, há-de estar comigo. E é verdade que, neste processo de criação autoral, na ânsia (pouca vezes conseguida) de se fazer diferente, possa perder-se a espontaneidade de outrora. Se calhar, trabalha-se mais a encenação da imagem após fotografar do que na altura de fazer os cliques. Mas foi na minha cidade-proveta de Haia, que comecei a contar estórias através de fotografias.
