A primeira viagem à Holanda: Amesterdão

O país ao qual fiz mais viagens na minha vida, tem nome plural: Países Baixos. E, durante muito tempo, Amesterdão foi a minha cidade mais extravagante, mais amada e mais saudada. Um mundo tremendamente diferente do anterior. Ou seja, o meu espaço conhecido era, até então, razoavelmente alicerçado no conservadorismo, e nos padrões normais à imagem do meu país. Na Holanda, tudo parecia permitido. Na verdade, dito pelos holandeses, tudo era possível na altura e ainda hoje tudo o é. As montras da red light zone, um grande choque na época. Por pensar instantaneamente nos conceitos de libertinagem e de liberdade de escolha com respeito ao plano profissional. Algo mais ou menos diferenciado dependendo dos valores morais que regem as nossas vidas. Mulheres belíssimas separadas por um vidro aliciando os transeuntes em loucura. Vi também, à luz diurna, pessoas despidas em praça pública. Eu, que levava a ideia de me ir deliciar com campos floridos de tulipas e moinhos, senti uma atitude generalizada de revolução de identidade nos habitantes da Holandolândia, especialmente os da capital, com os quais me cruzei naquela primeira viagem. Sendo certo que eram, em grande número, como eu, pessoas em viagem. Talvez o desejo de se ser livre para se ser o que se quiser encontre lá um sentido mais amplo e permitido de efectiva concretização. A própria roupa inusitada das pessoas, trajes característicos da era punk, correntes tilintando a cada passo, cristas de todas as cores, e as botas Dr. Martens arrastando as criaturas cosmopolitas. Ainda a exposição flagrante (no contexto dos anos 90) dos corpos tatuados à exaustão, dos piercings, e do culto da diferença mas, neste caso, mais da singularização ostensiva do bizarro do que propriamente outra escolha de distinção. Formas de deambular na cidade que só depois se compreendem como marcas de uma geração. Além das pessoas singulares, também as outras lojas exclusivas a despertarem a atenção. Sex Shops proliferadas por toda a parte, e Coffee Shops a cada esquina. O cheiro muito intenso a cannabis logo à saída da estação. E a minha primeira imagem de dois homens de mão dada na rua que se tornou também na minha primeira (e penso ser única) imagem fotografada de um casal homossexual. Se me posicionar no plano sem-tempo, e, após ter vivido na Holanda, perdeu-se a forma como senti o primeiro impacto de todas estas e muitas outras situações. Nem os museus ficaram iguais. Ao longo dos anos, fui esvaziando de sentido esta Holanda ‘fabulástica’ de outrora. De certa maneira, a contemporaneidade vai revestindo as coisas (e, também, as cidades) das mesmas tendências, aproximado-as. O que faz com que nenhum lugar seja exactamente igual a outro, mas, no entanto, globalmente, ficamos condicionados a uma Europa que deixou de ter a oferta da grande surpresa. Eu adorei a primeira impressão que esta cidade surtiu em mim. Terminava o século XX com os horizontes mais alargados e isto é importante. Aprendi muito. Ficou a foto da véspera do regresso, sem sorriso por voltar e de girassol embrulhado na mão.

 

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