Por ser feriado, a fila de carros alongava-se como uma corrente com mais elos a cada segundo. A parte boa no trajecto próximo, foram as imagens bucólicas do cenário das ovelhas de focinho negro com o pequeno monte ao fundo. O resto, foi uma primeira visita. A torre que sustenta o arcanjo Saint-Michel estava em manutenção e havia tanta gente acotovelando-se nas escadarias da estreita Rua Grande que não aproveitei a viagem da maneira que queria. Por isso, perto de um ano a seguir, voltei. E ainda gostaria de regressar uma terceira vez para fazer a caminhada a pé na lama da baía numa altura quente e, claro, com maré vaza. O Mont Saint-Michel permite mais uma espreitadela à idade média embarcando-se no ilhote que parece afundar-se depois quando a maré encher. É verdade que o lugar está bem preparado para os turistas, provido de grande organização em termos de parques e ligações de acesso que não conferem grande aventura. Há paragens estratégicas na zona comercial das galerias à entrada da ponte, onde os autocarros gratuitos ou as carruagens de cavalos são a alternativa mais rápida a prosseguir a pé ou de bicicleta. Mas o importante é ir: as vistas das muralhas são únicas e, as colunas da Abadia, apresentam já sinais consideráveis de desgaste que vêm lembrar a máxima de que nada dura para sempre. Património de culto, podemos encontrar religiosidade através dos votos secretos que se espalharam, sob a forma de moedas, num lugar soturno, inacessível, que até pode trazer sorte. Há os jardins exteriores e inúmeras perspectivas para aproveitar o passeio. E ao longo da muralha encontram-se vários restaurantes com esplanadas exteriores que são um bálsamo em dias soalheiros. Podemos ficar ali a rever as fotografias feitas, a brindar ao presente que temos, e a ver os outros turistas que nos sorriem de volta. Acontece sempre isto nos lugares mais bonitos. Há uma certa alegria empática que se sente e divide com os outros viajantes. Porque isto de gostar muito de viajar tem sobretudo a ver com olhos. Observar o que o mundo tem. Depois vem a parte das fotografias-postal: voltamos as costas aos cenários que mais apreciamos, para parecermos a colagem de uma estátua que ouviu cheese, um instante antes de petrificar. Às vezes, ainda apontamos um elemento óbvio. Noutras, abrimos os braços prontos para receber uma bola enorme que nos caísse do céu. Ou, então, divagamos com o nosso ar mais natural. Eu meti as mãos nos bolsos avistando o arcanjo Miguel provindo do Paraíso, batendo as asas, a caminho de casa.
